sábado, 30 de agosto de 2008

Capítulo um: Dulce, a garota que vai sofrer.



Três anos depois...

O celular começou a tocar o toque do despertador. Dulce dormia totalmente dentro do cobertor azul claro com estrelas, toda encolhida na posição de lado, quentinha e confortável, quando ouviu o barulho conhecido. Enfiou a mão por debaixo do travesseiro e desligou o celular que vibrava e tagarelava. Sem vontade alguma, ela foi baixando o cobertor, até estar à cabeça para fora. Forçou os olhos a enxergar naquela semi-escuridão, enquanto se espreguiçava languidamente, e bocejava. Dulce fez bico, esfregando a bochecha no travesseiro com o cheiro de seu xampu, mas depois, com muita coragem, sentou-se na cama, abraçando o corpo ainda adormecido.
- Dulce levanta! – gritou dona Blanca do quarto ao lado.
- Eu já to levantada, mãe! – gritou a garota também, revirando os olhos, já acostumada com a atitude da mãe.
Calçando as pantufas azuis, Dulce saiu para o corredor e virou a direita, entrando no banheiro. Fez sua higiene, tomou um banho rápido, e foi correndo de toalha para o quarto. Pôs a camiseta do uniforme do colégio, a sua jeans apertada, um blusão cinza, penteou os cabelos, passou a chapinha, deixando os fios lisinhos, calçou o tênis, colocou um boné na cabeça e o cobriu com a toca da blusa, e depois de passar maquiagem no olho e brilho labial, desceu para a cozinha. Tomou um copo de Nescau, guardou um pacote de bolacha traquinas na mochila – que ficava sempre no sofá da sala jogada – e saiu de casa.
- Droga, esqueci meu celular – resmungou, virou nos calcanhares, e com pressa foi buscar o aparelho, ao qual, não vivia sem. – Agora sim! – disse Dulce e voltou ao seu trajeto, precisava ir rápido para o ponto de ônibus, onde costumava esperar os amigos.
__________

Sentindo os dedos úmidos, Christopher se revirou no sofá, colocando o braço por cima dos olhos, por causa da sala iluminada. Duque latiu, tentando chamar a atenção do dono, que dormia mais do que devia. Com lamurias, ele se mexeu de novo naquele espaço apertado e acabou no chão, com a cabeça latejando.
- Caralho! – grunhiu Christopher, abrindo os olhos com aperto. Duque o labéu todo. – Sai, sai cachorro.
Ele bocejou, se ergueu do chão, e sentou no sofá. Olhou para o relógio em cima da tevê, informando que ele já tinha perdido a primeira aula. Com desgosto, Christopher foi para o banheiro, depois se trocou, comeu pão de ontem, tomou Nescau, pegou a mochila e saiu. As costas estavam doloridas, por causa da sua nova “cama”. Depois que tinha doado o quarto para Perseu, o tio da família, que os visitava todo ano, não tinha um dia que não acordava todo amassado.
Ao chegar na escola, Christopher ficou conversando com os amigos no pátio…
- Grande coisa a gente fazer uma festa no fim do ano - disse Carlos com tédio. - É a droga de sempre ¬¬’
- Pode até ser - concordou Chris. - Mas esse ano a gente vai batizar com álcool, música muito alta e piscina. - Dude olhou pra ele com um sorriso. - É cara, piscina também.
- Puts, Chris - disse Dude, dando um soco no braço do amigo. - Você pensa bem em... - Os três caíram na risada. - Agora, aonde achar um lugar com piscina pra alugar, é foda.
- Que nada - Chris disse fazendo pouco caso. - Meu pai tem uma chácara que tá sem uso. Se o grêmio estudantil convencer a diretoria de fazer a festa lá, tudo se resolve.
- É né - disse Carlos -, o grêmio estudantil. Como a gente iria conseguir fazer a cabeça deles?
- Verdade - apontou Dude. - Eles têm idéias próprias e acha a gente o lixo do colégio - revirou os olhos, rindo.
- Não dá nada... isso vai mudar. A gente vai mudar - disse Chris com um sorrisinho malicioso, os amigos olharam-no curiosos.
- Que se vai fazer, cara? - perguntou Dude.
- Trabalhar em cima da nossa imagem. - os amigos riram com a resposta, mas Chris não ligou, apenas ficou olhando o pessoal do refeitório. - Sério gente. Tá na hora de mudar.
- E virar nerd? ¬¬’ - disse Carlos bufando. - Puts na boa, isso não é pra mim ¬¬’
- Que virar nerd o quê - Chris balançou a cabeça, logo se pôs na frente deles. - Nós vamos ficar com as meninas inteligentes, vamos parar de aprontar, e vamos participar do acampamento anual do colégio - os meninos começaram a protestar. - É o único jeito de entrar pro grêmio estudantil, idiotas!
- Cara... que idéia de - Dude nem terminou de falar, e socou a própria mão. - Fala sério, Chris, nem você conseguiria pegar uma daquelas meninas. Oh mulherada feia viu.
- Ah, vai se ferrar idiota - disse Chris irritado, e Dude parou com a piadinha. - O Carlos namorou a Bianca e ela era inteligente, e nem por isso nós achávamos ela feia.
- Tá, a gente tá falando da Bianquinha, Chris - disse Carlos convicto. - Essas nerds parecem que odeiam o mundo, por isso andam esculachadas, judiadinhas mesmo. - Dude riu.
- Eu não acredito que vocês estão discutindo comigo ¬¬° - resmungou Christopher desdenhoso. - Olha: eu vou fazer um teste e se der certo, vocês fazem o mesmo, ta bom?
Os meninos concordaram.
- Quer uma lista das nerds que dá pra pegar? - sugeriu Dude rindo, e Carlos fez sinal pra ele fechar a boca e ele franziu o cenho. - Quê?
- Eu mesmo vou atrás da minha nerd - disse Christopher, já saindo de perto dos amigos.



Dulce entregou a prova quando o professor pediu, pegou a mochila, arrumou os materiais, e saiu da sala, seguindo para o refeitório. Na cabeça da garota se passava as inúmeras coisas que ela precisava fazer: arrumar o quarto, ir ao curso de inglês, comprar um tênis, ir ao cinema com as amigas. Tudo o que tinha planejado fazer com antecedência estava dando voltas em sua mente. Ela cruzou a porta do refeitório, pegou uma bandeja e foi se servir com a "ração", como costumavam chamar, do colégio. Pegou fruta, um sanduíche de salada de frango, a sobremesa e um suco de laranja. Meio atrapalhada, ela foi andando sem ver direito aonde ia, a procura de um lugar pra se sentar. Ao virar abruptamente para a esquerda, o braço bateu no estômago de alguém, e Dulce se desequilibrou, indo bandeja, ela e alguém pro chão. A garota escutou somente as risadas bem altas dos alunos que estavam ali. Suas orelhas começaram a pegar fogo, o rosto, as mãos. Dulce virou a cabeça em direção ao garoto que a fuzilava com os olhos, se levantando do chão, com a roupa respingada de suco, como a dela.
- Parabéns - ele disse ácido. - Agora vou ficar fedendo a suco a manhã inteira ¬¬°
- Foi mal - tentou se desculpar Dulce, levantou-se também, engolindo a vergonha com todo mundo olhando pra ela, e foi pegando o que era pra ser sua refeição.
- Deixa eu ajudar você - disse o garoto e prontamente foi juntando a comida e pondo na bandeja. - Só o suco que tá perdido mesmo.
- Do mesmo jeito eu não vou comer isso mais - disse Dulce e sorriu. - Valeu.
- Cuidado quando for pegar lanche viu - disse ele e foi se sentar numa mesa com outros dois garotos.
Dulce ergueu os ombros e foi para o pátio.
- Cara, você por acaso sabe quem é a menina que esbarrou em você? – perguntou Dude com sua cara de garoto rebelde.
- Nem faço idéia, mas ela me…
- Ela é do grêmio! – interrompeu Dude, e Christopher parou na hora. – Do grêmio cara!
- Aquela ruiva, baixinha… e que fala? :O
- Dãrrr… - Carlos balançou a cabeça. – É ela.
- Opa, opa, opa! Esperaê! – disse Christopher com um sorriso malandro nos lábios. – Então eu já tenho o meu passaporte por grêmio e não sabia?
- Você acha que ela vai dar bola pra ti? – disse Dude debochado. O_O
- Ela é esperta de mais pra cair na tua, Christopher – retrucou Carlos, rindo junto com Dude.
- Oh… - ele riu por baixo. – Estamos falando do papai aqui. Eu sei como pegar mulher.
- Mulher, não nerd – disse Carlos, fazendo Dude rir.
- Cara, você tá enchendo a boca pra falar. É só papo ¬¬’ – disse Dude revirando os olhos.
- Eu vou catar ela só pra provar que eu to com tudo!
- Vai em frente – riu Carlos. – Depois a gente não quer tá aqui ouvindo você ficar inventando desculpa, pra tentar limpar o teu filme.

Christopher saiu do refeitório, sem dar importância para os amigos que faziam piadinhas por trás. Foi atrás de uma pessoa que poderia ajudá-lo a fazer as coisas tudo bem feita. Ele sabia que podia contar com ela, por mais absurdo que fosse querer entrar pro grêmio estudantil, somente pra agitar uma festa, ele queria fazer isso para ser lembrado no colégio no próximo o ano e quem sabe até mesmo, por que não, daqui a dez anos, numa futura reunião de ex-alunos. Encontrou-a parada perto do chafariz, num canto onde fervia gente. Jhenny sorriu ao vê-lo se aproximar e o recebeu com um abraço. Ficaram abraçados por longos minutos.
- Sabia que você não consegue viver longe de mim – disse a garota com um sorriso.
- Eu sei e por isso to sempre procurando você – admitiu Christopher, se separou dela e cruzou os braços. – Como você tá?
- Ah, eu to bem, Chris, e tu? – Jhenny olhou a cara de sapeca e deduziu que ele estava querendo alguma coisa.
- Vim convidar você pra sair.
Ela deu risada.
- Qual é… conta outra.
- Eu vou entrar pro grêmio – disse Chris sorrindo, e ela ficou boquiaberta.
- Tá falando sério? O_O – ele assentiu com um aceno de cabeça e Jhenny caiu na risada. – Você junto com as pessoas que pensam?
- É né, vai zoando…
- Mas Christopher, que isso, nada a vê com você – disse ela ainda rindo, mas resolveu parar. – Como é que vai conseguir essa proeza?
- Vou virar um cara inteligente, esforçado – respondeu Chris fazendo poses.
- Ah, e quem vai ser o cérebro por trás de você?
- Uma garota ruiva .
- Têm tantas – Jhenny revirou os olhos.
- Mas eu estou falando daquela dali ó – apontou para a garota sentada perto das pedras calcadas, em baixo de uma árvore enorme, e Jhenny suspirou ao ver de quem se tratava.
- Essa garota estuda na minha sala – disse pra ele, olhando o amigo.
- Estamos em que mês do ano? – perguntou Christopher de repente.
- Em março, por quê? – Jhenny estranhou a felicidade que o guri ficou. – Chris?
- Vou pedir pra que me troquem de sala. Quero estudar na sua sala.
- Ah tá, como se fosse fácil assim – resmungou ela ácida. – Cada gente sem noção ¬¬’
- E… você conversa com ela?
- Às vezes sim.
- Ótimo… já tá bom pra começar – disse Chris com ar de vitória no semblante. – Eu preciso dessa menina. Como é o nome dela?
- Se chama Dulce e é bem quietinha na sala – respondeu Jhenny preocupada, tocou o braço do amigo que a olhou. – O que você vai fazer? Não vai brincar com os sentimentos da garota, vai?
- Claro que não… quer dizer…
- Christopher, lembra do nosso dilema: “Paramos aonde não queremos chegar” – repetiu Jhenny séria, tentando ver se assim fazia o amigo falar de suas intenções. – Você sabe o que aconteceu uma vez… não faz o mesmo joguinho não. A Dulce é legal.
- Se ela é legal, então eu vou entrar pro grêmio rapidinho – ele disse muito satisfeito.
- Não é bem assim. Tem que ter pelo menos 9 pontos em seis matérias pra entrar.
- Ela é inteligente, nerd mesmo, vai me ajudar a tirar os pontos que eu preciso – falou Chris, convicto. – Só escreve.
- E pra que você quer entrar pro grêmio? – perguntou Jhenny revirando os olhos.
- Por que quero ser lembrado como o cara da melhor festa que essa porra já teve!
- Um objetivo grande de mais, no meu ver.
- Engraçadinha ¬¬’
- Você que sabe u_u´
- Por isso que eu te amo!
E Christopher a encheu de beijos na bochecha, no pescoço, até Jhenny o fazer cócegas, para que ele parasse.
- Você ficou sabendo? – ela perguntou, depois que o ataque de riso foi cessado.
- Do quê?
- Os alunos do primeiro ano em diante vão passar a ter horário integral… - Christopher bufou, fazendo careta.
- Tá falando sério? .__.
- Lógico né.
- Puts ¬¬’
- Não, você não sabe da pior ainda – Jhenny disse, e ele franziu o cenho.
- Tem mais?
- Parece que a gente vai virar interno…
- QUÊ? =O
- Isso mesmo… parece que é um projeto não sei o que, que os diretos fizeram… muita putária isso sim.
- É… que foda – Christopher disse, logo o sinal bateu indicando o fim do intervalo.

No fim das aulas, Christopher ligou pra mãe, inventando um monte de estórias, dizendo que precisava mudar de sala, que os amigos não estavam deixando-o se concentrar nos estudos… e foi colocando tantos obstáculos, que a convenceu a vir falar com o diretor. Assim que ele desligou, foi procurar Dude e Carlos para contar aos amigos o que iria fazer pra entrar pro grêmio. Estava se sentindo com dez anos, porque era até infantil querer participar do grêmio para fazer festinha, mas ele queria por que estava no penúltimo ano de escola… e não queria se lembrar de tudo, das coisas como mais um aluno “normal”, Chris queria mesmo era se lembrar dos tempos de colégio com carinho e dizer “Ah sim, eu aprontei e me dei bem”. Era tosco, mas seria original. Depois ele encontrou Jhenny e foram pra casa juntos, até combinara de se verem no cinema mais tarde.

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